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"Muitos perderam o emprego, faliram, destruíram seus casamentos , foram para a cadeia e acabaram até executados por terem dito a verdade. Não estou advogando uma vida de prevaricação, mas é preciso deixar claro que a honestidade pode causar muita dor"
Donald G.Smith


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17.12.04

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Daniela de novo

Essa semana acabam-se as provas. O fim do colegial, e o começo de mais uma tortura, a faculdade. Boa parte da minha vida eu passei dentro de uma sala de aula, pra ser mais preciso, desde os 2 anos de idade estou nessa rotina. Sei disso por causa de algumas fotos onde apareço com a cara vermelha de choro e um uniforme ridículo e sujo. Tenho algumas memórias a partir dos meus 3 anos de idade, memórias traumáticas de abandono, meus pais me deixando na escola e eu me debatendo em histeria. Lembro-me no playground quando derrubei um coleguinha lá de cima do escorregador, que acabou quebrando o braço. Lembro dos beijos que recebi de uma garota da 1ª série, eu era do maternal e ela maior que eu, posso dizer que meu primeiro beijo aconteceu quando eu tinha 4 anos de idade. Fico olhando as minhas fotos no jardim de infância e penso o tanto que somos ingênuos quando crianças, infelizmente somos reféns do comportamento deturpado dos adultos, nossos educadores e destruidores de nossa delicada auto-estima.

São tantas coisas que aconteceram nesses 15 anos de devoção a educação, que daria pra escrever um livro, essa obra biográfica se chamaria então “Memórias do Cárcere Colegial”. Olhando pra trás sinto um sentimento de perda muito grande, perda de tempo pra ser mais exato. Agora tenho mais 5 anos de estudo pela frente. O pior de tudo é que não sei qual carreira seguir, é raro alguém com 17 anos saber que profissão seguir. Mas as coisas são assim, o sistema diz que tenho que decidir logo, porque o tempo não para e a hora é agora, colocam na cabeça do estudante que se ele não se formar logo, vem outro e toma o seu lugar na cadeia capitalista. É uma lavagem cerebral, uma histeria esse final de ano. Eu só queria 1 ano de tranqüilidade, ficar em casa sem fazer nada. Acho que mereço 365 dias de férias, afinal de contas fiquei 15 anos estudando, ou seja 5475 dias envolvido com estudo.

Mudando de assunto, no último dia de prova me encontrei com Daniela no pátio bucólico do colégio. Nada mais deprimente e clichê do que se encontrar com a ex no último dia de avaliação. Nos evitamos por quase um mês, uma fuga infantil e perturbadora, cedo ou tarde íamos nos encontrar, nossas mães são amigas e Brasília é muito pequena pra guardar dois corações partidos. Escrevendo isso pareço uma pessoa brega, mas sou muito sentimental com meus relacionamentos, sei que as vezes magôo as pessoas, mas faço isso com a melhor das intenções, e no caso da Daniela, o que disse sobre seu tio, foi para o bem dela, sou sincero com as pessoas que tenho afinidade. Essa é a verdade.

E claro, quando vi Daniela sentada no banco em frente ao pátio do colégio, senti uma leve taquicardia. Parece meio bobo esse tipo de emoção, mas essa palpitação me mostrou que ainda gosto dela. Olhou pra mim, quando parei ao seu lado.

- Vai ficar ai parado ? Senta. – disse abrindo seu livro

Sentei ao lado dela, fiquei olhando pra frente, olhando para o nada, não conseguia olhar no seu rosto. As vezes virava o olho, pra observar seus finos traços, consegui observar o tanto que sua beleza me fascinava, os finos traços de seu nariz, a boca de lábios rosados, a sua beleza que tinha desaprendido a apreciar. O homem é um ser ignorante e estúpido mesmo, quando se acostuma com sua parceira, deixa de cultuar sua beleza, enjoa da sua presença, e quando a perde, lamenta que nem um filhote de gato perdido dentro de uma lata de lixo.

- E então ? – perguntou ela folheando algumas páginas do seu livro de biologia
- Foi bem na prova de Biologia ?
- Acho que sim. – ela fechou o livro ajeitou no colo – E você ? Fumou maconha de novo, pra relaxar na prova ?
- Não. Dessa vez não. – já estávamos nos olhando sem constrangimento.

Fomos juntos no Sky Burger, entupir nossas artérias com aqueles sanduíches engordurados. Éramos um casal de amigos andando de lado a lado, conversamos sobre várias coisas, colégio, UNB, PAS, férias, esquisitices de nossas mães, em nenhum momento tocamos no assunto que motivou nossa separação. Vou confessar que é muito estranho andar lado a lado com uma garota que você é acostumado a abraçar, tocar, apalpar e trocar fluídos com beijos demorados e suculentos. Estava me sentindo estranho. Tinha certeza que a notícia da minha relação amorosa com a Valquíria, tinha chegado aos seus ouvidos. Mas ela até certo momento se mostrou indiferente. As mulheres sabem ser frias no momento certo, sabem manipular a situação, homem é muito irracional, utiliza muito o instinto em vez da razão.

No momento certo ela me olhou no olhos, já com os sanduíches em mãos, na nossa mesa preferida e pronta para acabar com toda a minha fome.
- Sabe o meu tio Rodolfo ?

Fiquei calado, nervoso por um momento, desviando do seu olhar e me concentrando no alimento.
- O que tem ? Conseguiu tirar ele da cadeia ?

Daniela então começou a limpar um fio de lágrima que descia a face. Pousou o sanduíche na bandeja e tomou um longo gole de suco, antes de responder. Esse intervalo demorou cerca de 15 segundos, ela controlou as lágrimas, limpando a bolsa de água que se formava por debaixo dos olhos.
- Ele morreu a 8 meses atrás – um choque que me fez parar de mastigar e engolir a seco um naco do hambúrguer – Ele era aidético. Morreu na enfermaria do presídio.

Ela pousou as mãos sobre o rosto, chorando. Fiquei sem reação. Se controlou um pouco, com a cara rosada e continuou.
- Procurei nos registros do presídio pela internet. Não achei nada e então liguei dando o nome e sobre-nome. Me disseram que o presidiário Rodolfo Coelho Monteiro falecera no início do ano de pneumonia decorrente da AIDS.
- Sinto muito Daniela. Me desculpe por tudo – sentei do lado dela, e ela deitou seu rosto no meu ombro, o encharcando com suas lágrimas abundantes.
- Gustavo ele morreu por minha causa.
- Não diz isso.
- Você sabe que existe uma lei nessas penitenciarias para estupradores. Ele pagou com a vida, por minha causa. Pegou AIDS dos outros detentos. Como posso lidar com isso Gustavo ? Minha mãe, pensa que ele me estuprou, mas o que fizemos foi amor. O próprio irmão morre, e ela fria não me conta nada. Pensa que ainda estou traumatizada, um trauma que não existe. Por causa do meu silêncio ele morreu.
- Daniela eu ...
- Gustavo, eu não quero perder você. Quero que fique comigo, entenda que eu nunca amei meu tio. Nem me lembro dele direito. Mas não acho certo deixar uma pessoa presa, por algo que não aconteceu. Eu não fui estuprada. Eu fui amada, mesmo que isso seja bizarro, o amor carnal de um tio pela sobrinha. Eu era muito ingênua.
- Daniela ele te seduziu, você tinha 12 anos.
- Mas eu gostei. É difícil de entender ? Quando transamos, eu gostei. Não existe crime quando uma pessoa gosta.

Ficamos em silêncio, ela no meu ombro. Sensível e desamparada, desabafando as dores. Nos beijamos ali mesmo na lanchonete, foi um longo beijo onde nossas salivas ainda abundavam pelo alimento que ainda permanecia em nossas bandejas. Matamos a saudade de nossos lábios, algumas pessoas ao redor na lanchonete observavam, nosso clima de romance se espalhava pelo ar, e as pessoas que observavam nem desconfiavam dos motivos de nossa curta história de amor. Por um momento pensei na Valquíria, gosto da Valquíria. Gosto muito da Daniela também. Minhas palavras agora se confundem num labirinto de emoções.

- Gustavo, acho que te amo. – disse ela respirando após o prolongado beijo.

Agora sim as coisas se complicam.


# Publicado por GUSTAVO | |

Atenção: Esse diário possue gravíssimos erros de português, se você encontrou algum erro não precisa avisar nos comments. Eu sei que sou um ignorante.

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